Creio
que a grande maioria das pessoas concorda comigo: não há nada como
um mergulho refrescante em um dia de sol e calor na praia, na beira
de um rio ou cachoeira. Aquela sensação boa de ter o corpo
revigorado. No momento em que entramos na água, nosso organismo
começa a passar por uma série de adaptações.
O
coração, inclusive, que é um dos principais participantes nesse
processo, junto com o cérebro e os pulmões, órgãos que também
enfrentam mudanças e trabalham em parceria para atender as demandas
desencadeadas quando submergirmos.
E
quanto mais fundo vamos, mais intensas são as modificações e
necessidades de ajustes. Isso porque o mergulho nos submete a muitos
efeitos e fatores, que envolvem a temperatura corporal, exposição a
gases hiperbáricos, variações de pressão, alterações
respiratórias, exigências físicas e quadros de estresse, entre
outros.
1º:
as mudanças na temperatura
Na
água, o corpo esfria muito mais rápido porque não pode controlar a
temperatura como faz em terra. Por isso, dizemos que o líquido tem
alta condutividade térmica. Nossa temperatura corporal, que se
mantém em torno de 36ºC, tende a baixar quando mergulhamos —e por
isso os mergulhadores precisam de roupas especiais.
Essa
queda na temperatura pode desencadear diversas alterações
bioquímicas e físicas. Se for brusca, ocorre o que chamamos de
choque térmico, causando um grande estresse no organismo,
especialmente para o coração e o sistema circulatório.
É
provável que ocorra um aumento da frequência cardíaca. Os vasos
sanguíneos periféricos, aqueles que chegam às extremidades do
corpo (como mãos e pés), se estreitam em resposta ao frio para
tentar reduzir a perda de calor pela superfície da pele, condição
conhecida como vasoconstrição periférica.
O
que acontece no sistema cardiovascular a partir daí?
O
corpo passa a enviar mais sangue ao coração, que sai das
extremidades, seguindo pelas pernas e braços, e toma a direção do
centro do peito, a região torácica. Isso aumenta o volume de sangue
depositado nos vasos sanguíneos dos pulmões e do coração em até
700 mililitros —o coração passa a absorver cerca de 180 a 240
mililitros de sangue a mais.
Por
esse motivo, é necessário um esforço extra para respirar. Além
disso, o quadro provoca o aumento da pressão de enchimento no lado
direito do coração, que precisa trabalhar no bombeamento de sangue
de forma mais intensa para manter o fluxo adequado. O resultado é um
crescimento de mais de 30% no débito cardíaco (volume de sangue
sendo bombeado pelo coração em um minuto) e a elevação leve da
pressão arterial.
Os
efeitos iniciais tendem a passar dentro de minutos, mas o quadro pode
ser particularmente problemático para algumas pessoas, em especial
aquelas com questões cardiovasculares. Por essa razão, ter um
coração saudável é de fundamental importância em qualquer
mergulho, mesmo o recreativo, pois acarreta um consumo de energia
corporal que pode ser grande.
2º:
a influência da pressão
O
volume do nosso corpo tende a diminuir com o aumento da pressão ao
redor. Aqui, essa pressão é exercida pela água junto com o ar da
superfície. Quando um indivíduo mergulha, a alta pressão externa a
que se submete passa a comprimir, praticamente, todas as partes do
corpo enquanto permanece submerso.
Quando
mergulhamos, aproximadamente nos primeiros 10 metros debaixo d'água,
os pulmões, ainda cheios de ar, nos impulsionam em direção à
superfície. A essa profundidade, eles são estimulados a se
contraírem até a metade do seu tamanho normal. A partir dessa
profundidade, a pressão dobra e os pulmões são estimulados a se
contraírem até a metade do seu tamanho normal. Ao seguir afundando,
é possível relaxar e começar a descer sem esforço. A sensação é
então de ser puxado para baixo. A cerca de 30 metros, a pressão
triplica.
Isso
exige um esforço adicional do coração: devido à alta pressão, o
órgão precisa de mais força para que o sangue possa alcançar
todos os tecidos, principalmente nas extremidades. Além disso, ao
nível do mar, os pulmões têm a capacidade de comportar de quatro a
seis litros de ar.
Ao
mergulhar, por exemplo, a 20 metros, como a pressão praticamente
dobra, a capacidade pulmonar cai pela metade. Ou seja, os pulmões
passam a comportar, em média, de dois a três litros de ar —o que
explica a pressão no tórax que mergulhadores sentem em grandes
profundidades.
E
respirar sob pressão aumentada também afeta o coração e o sistema
circulatório. Causa vasoconstrição, aumenta a pressão sanguínea
e reduz o ritmo e débito cardíaco. A frequência passa a ser mais
lenta para ajudar a conservar o oxigênio (o que permite mergulhar
mais profundamente por mais tempo). Para se ter ideia, a frequência
cardíaca pode chegar a metade das taxas normais em repouso —a
média é de 60 a 100 batimentos por minuto.
Relação
com o cérebro Nosso sistema nervoso autônomo (SNA), responsável
por regular as funções internas, tais como frequência cardíaca,
respiratória e digestão, também é afetado pelo mergulho. Para
entender melhor, aqui vale um parêntese: o SNA é composto pelos
sistemas simpático e parassimpático. Enquanto o simpático governa
a resposta "luta ou fuga", o sistema parassimpático
controla as funções de repouso e ajuda na conservação de energia.
Em
indivíduos saudáveis, o mergulho geralmente aumenta os efeitos
parassimpáticos, preservando o ritmo cardíaco. No entanto, um
mergulho percebido como estressante pelo organismo, vai levar o
sistema nervoso autônomo para a outra direção e efeitos simpáticos
passam a prevalecer. Ocorre a elevação da frequência cardíaca e
um aumento do risco de arritmia, entre outras consequências.
Riscos
A
maioria dos efeitos que o mergulho tem sobre os pulmões, coração e
sistema circulatório está dentro da capacidade de adaptação do
nosso corpo. Entretanto, isso para pessoas saudáveis, fisicamente
ativas e que tomam os devidos cuidados.
É
importante ter em mente que em qualquer situação, seja um simples
mergulho na praia ou com alta profundidade em alto mar, podem surgir
condições e circunstâncias perigosas que exijam mais do organismo
sem aviso prévio.
Um
mergulho corriqueiro no mar, por exemplo, nos pede atenção, em
especial, ao choque térmico e excesso de esforço físico,
dependendo da condição de saúde. Apesar de menos preocupantes,
podem desencadear reações adversas, inclusive graves, a exemplo de
arritmias agudas e até a morte súbita.
Estatísticas
apontam que cerca de um terço de todas as fatalidades envolvendo o
mergulho estão associadas a um evento cardíaco agudo, como o
infarto, provocado por esforço: nadar contra a corrente, em ondas
fortes ou sob condições de flutuabilidade negativa.
Já
os mergulhos em profundidades maiores precisam de mais cuidados e
preparo. Entre os riscos podemos mencionar complicações em
decorrência da reação periférica de vasoconstrição, hipoxia
progressiva (ou falta de suprimento adequado de oxigênio), a
bradicardia (batimento cardíaco lento e irregular), a taquicardia
(batimento cardíaco rápido e irregular), condições capazes de
levar a morte repentina, especialmente em indivíduos com anomalias
de ritmo preexistentes, doenças cardíacas estruturais ou
isquêmicas.
Outro
problema apresentado nos mergulhos em alta profundidade —feito com
o uso de equipamentos— diz respeito à descompressão rápida.
Dependendo do tempo e profundidade, parte do nitrogênio presente no
sangue passa a ficar em estado líquido.
Caso
o mergulhador suba rápido demais à superfície, esse nitrogênio
retorna subitamente para sua forma gasosa e os pulmões não
conseguem liberá-lo com velocidade. Assim podem se formar bolhas de
gás nitrogênio nos tecidos e vasos sanguíneos, o que pode causar
embolias e lesões, sendo as mais graves no sistema nervoso, e até a
morte.
Benefícios
Mergulhar
não envolve apenas viver a experiência de descobrir o mundo
subaquático, mas pode ser incorporado entre as práticas físicas,
fator importante para a saúde do coração. Ao mergulhar e nadar
trabalhamos todos os músculos, aumentando nossa capacidade
cardiorrespiratória, elasticidade e força. O mergulho autônomo,
realizado com ou sem equipamentos, pode ser uma atividade recreativa
atrativa para pessoas de todas as idades.
Porém,
a primeira coisa a ser considerada é ter uma boa condição física,
que inclua tolerância adequada ao exercício, peso saudável e uma
consciência clara de suas condições clínicas. Como vimos, assim
como outros exercícios, dependendo das circunstâncias, esse também
pode exigir bastante esforço do corpo, inclusive do coração.
Por
Paulo Chaccur
Fonte:https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/paulo-chaccur/2022/10/16/o-que-acontece-com-o-nosso-coracao-quando-estamos-debaixo-dagua.htm?cmpid=copiaecola