Quem
há também entre vós que feche as portas por nada, e não acenda
debalde o fogo do meu altar? Eu não tenho prazer em vós, diz o
Senhor dos Exércitos, nem aceitarei oferta da vossa mão. Malaquias
1:10
Malaquias
é um livro surpreendente. Parte de uma coleção de doze livros
denominada de Os
Doze,
ou
Profetas
Menores,
encontramos nesse livro duras advertências de grande riqueza
poética.
Da
mesma maneira que em qualquer período da história, Malaquias
testemunhou o exercício de uma liderança religiosa corrupta e
egoísta. No final do capítulo 1 (veros 6-14), lemos palavras
divinas de reprovação aos sacerdotes. Sua conduta não estava
honrando o nome de DEUS ao profanarem o altar oferecendo sacrifícios
inadequados. De acordo com o texto, enquanto em outras nações o
nome de DEUS era honrado, em Israel, os sacerdotes ouviam de DEUS:
“Não tenho prazer em vós” (verso 10).
A
crítica divina no livro de Malaquias alcança seu ápice no início
do capítulo 2 por meio de palavras dirigidas ao sacerdócio de
Israel que chegam a ser desconcertantes. Em Malaquias 2:3 lemos: “Eis
que reprovarei a descendência, atirarei excremento ao vosso rosto,
excremento dos vossos sacrifícios, e para junto deste sereis
levados.”
O
tema do abjeto e do desprezível há muito tem sido estudado por
inúmeros estudiosos de diversos campos do conhecimento. Por exemplo,
no livro Power
of Horror: An essay on Abjection ,
a filósofa e psicanalista Julia Kristeva observa[1]: “contrário
ao que entra pela boca e nutre, o que sai do corpo, através de seus
poros e aberturas […], dá origem à abjeção.” Segundo ela, ao
permanentemente expelir seus dejetos, o corpo paga o preço para se
tornar limpo e puro fisicamente.
Contudo,
a referência ao excremento na face dos sacerdotes em Malaquias
indica mais do que a demonstração da impureza física associada ao
corpo. Aqui lemos uma expressão metafórica que ilustra a
inadequação dos lideres religiosos para servir no altar de DEUS.
Curioso
é que a palavra פֶּרֶשׁ
[pereš;
“entranhas”; “excremento”], enfatizada aqui por sua
repetição, pode se referir tanto aos resíduos corporais como às
entranhas que poluíam a área próxima a onde os animais eram
sacrificados. Em outras instâncias, o termo é empregado para as
entranhas do novilho oferecido na consagração de Arão e seus
filhos ao sacerdócio. Para assegurar a pureza do sacrifício,
deveriam ser retiradas as vísceras dos animais antes de serem
trazidos ao altar[2]. As entranhas do animal deveriam ser levadas
para fora do acampamento, pois eram consideradas impuras. Se
permanecessem no acampamento, contaminariam o lugar de habitação de
DEUS com seu povo[3]. De acordo com Êxodo 29:14 e Levítico 8:17, o
excremento, a pele, e outras partes deveriam ser queimados fora do
arraial.
A
declaração em Malaquias emprega uma das imagens mais chocantes de
impureza ritual para transmitir a falha dos sacerdotes em honrar a
DEUS adequadamente através de suas atividades no templo. Aqueles que
deveriam ser os primeiros a prezar pela pureza associada às tarefas
do templo, tornar-se-iam impuros através da ação divinas de
atiramento de excremento.
A
declaração final do profeta indica que DEUS carregaria os
sacerdotes com o excremento para fora do acampamento da mesma maneira
que os sacerdotes deveriam carregar as entranhas dos animais do
sacrifício para fora do arraial. Ironicamente, por não cuidarem com
a pureza do templo contaminando-o com a imundície dos sacrifícios,
eles seriam tratados como as próprias impurezas.
A
tarefa de separar o imundo do puro dentre aqueles que se dizem honrar
o nome de DEUS como líderes religiosos é divina, e não humana. A
nós resta o cuidado em, particularmente, honrar o nome de DEUS.
Desse modo, nossa face será coberta de nenhuma outra coisa a não
ser de pureza.
[1]
1982, p. 108
[2]
ver: Êxodo 29:14; Levítico 4:11; 8:17; 16:27; Números 19:5
[3]
ver: Levítico 10:4-5; 13:46; 24:14; Números 5:3; Deuteronômio
23:10