E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
Gênesis 1:3
Gênesis 1:3
“O homem age como se ele fosse o moldador e mestre da linguagem, quando
na verdade é a linguagem que permanece o mestre do homem.”
Martin Heidegger –
Poetry, Language, Thought 215.
Há milhares de anos, filósofos, escritores,
profetas, e pensadores de diversas áreas discorrem a respeito do papel, da
função e da estrutura da linguagem. Tendo como foco desde a semântica até o apparatus social
que influencia a maneira como certas palavras se comportam dentro dos mais
diversos contextos, o pensar a respeito da linguagem se desenvolveu e evoluiu
até Derrida sugerir, através de inúmeros mecanismos de desconstrução, que a
linguagem nos conduz ao abismo do nada, porque, afinal, sem linguagem, nada
podemos dizer a respeito da linguagem. Ainda assim, a Bíblia oferece uma
possível perspectiva sobre a natureza e a função da linguagem.
Gênesis 1 indiretamente fala a respeito de
linguagem. No princípio DEUS cria os céus e a terra e esta criação ocorre
através da PALAVRA. A ligação entre PALAVRA e REALIDADE –o quebra cabeça dos
filósofos de todos os séculos– chama à atenção. A linguagem não é usada
meramente para informar, mas para fabricar a própria natureza da realidade que
nos cerca. O ato de pronunciar “haja luz” de fato criou a realidade da luz.
Nosso acesso à realidade desde então é através da linguagem. A linguagem –como
também o tempo– são condições que precedem a própria existência da raça humana.
Antes do nosso tempo e de nossa linguagem já havia tempo e linguagem. A
escuridão do mundo anterior à criação é quebrada pela luz que surge através do
ato de falar. Como a frase de Heidegger indica, ousado é o homem que pensa ter
controle da linguagem. Quanto mais ainda dentro do contexto bíblico em que é
através da linguagem em que toda a natureza se fez. A linguagem precede e
condiciona todas as outras instâncias e manifestações, inclusive de linguagem.
Mas existe outro ponto, aparentemente não tão
discutido atualmente, ainda referente à linguagem. É mais comum colocarmos a ideia
da “fala” ou “revelação” de DEUS dentro de discussões relacionadas à
“autoridade das Escrituras” ou hermenêutica (contextos naturalmente
teológicos). Há, porém, algo escondido em meio ao óbvio, que, talvez por este
motivo, raramente consideramos: quando DEUS fala, DEUS revela.
Revelação não é o que DEUS faz com a
linguagem, mas a natureza da própria linguagem. O que antes estava oculto,
escondido, e invisível se torna visível/exposto através da fala. O uso divino
da linguagem, que através da fala se revela, pode e deve ser uma das maiores
descobertas para um mundo que gira ao redor do ato de “falar por falar”. A
intenção e real presença que a fala pode oferecer é perdida num mar de
comunicação sem intenção ou intencionalidade.
Se a fala de DEUS produz luz (sem a qual nada
pode ser visto) na escuridão, assim também nossa fala deveria trazer à luz
nossas intenções e quem somos, deveria ser também meio de nos revelarmo-nos em
nossa essência. É através da intencionalidade do uso da fala como revelação que
sabemos que estamos diante de outros seres humanos, e diante de um DEUS que
também revela ao falar.
Mas semelhantemente a Israel, a humanidade
hoje também treme diante de palavras que revelam, quer sejam estas palavras as
que procedem da boca de DEUS ou de seres humanos. Estamos acostumados, até, a
usarmos palavras para esconder quem somos ou o que pensamos. Nos escondemos
atrás do medo da realidade, da real presença do outro, e perdemos a
oportunidade de experimentar a verdadeira beleza e mistério da linguagem: a
possibilidade de nos revelarmos.
Fonte/Base:
http://terceiramargemdorio.org/texto/125/