"Disse-lhe
Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto,
viverá; "João 11:25
Há quatro meses, cão monta guarda, em vão, à espera do dono.
Ninguém imaginaria que aquele bichinho,
abandonado numa favela, infestado de carrapatos e tomado pela sarna,
sobreviveria a doenças de pele espalhadas pelo corpo.
Voluntários de uma ONG recolheram o cão
e lhe deram tratamento. Faltava um lar. José Santos Rosa, funileiro da zona
leste paulistana, quis ficar com ele. O filhote chegou numa caixa de sapatos.
Zé pensou em levá-lo para casa, mas, ao
saber que o cão ficaria "gigante", herança de seus traços genéticos,
mezzo labrador, mezzo rottweiler, resolveu deixá-lo na oficina.
Logo, Beethoven passou a orquestrar
barulhos por onde andava. Serelepe, cruzava fácil as grades do portão, que
ganhou tampões de madeira para mantê-lo a salvo da rua.
O cãozinho, lembra a vizinha Margareth
Thomé, 47, "achava que era gato": escalava o muro da funilaria e
andava sobre ele, espreitando, ansioso, a chegada do dono.
Na tentativa de conter o ímpeto felino
do cão, Zé levantou ainda mais o muro.
Por volta das 7h, o barulho do molho de
chaves de Zé era a senha para Beethoven pular da cama e ir direto se sacudir no
colo do dono.
Sábado, domingo ou feriado, sol e
chuva, pouco importava o dia, tampouco o clima, lá estava ele, postado na
entrada, fazendo festa para Zé.
Mas, desde o dia 8 de junho, uma manhã
de sábado, o silêncio e a tristeza tomou conta de Beethoven: a rotina de
latidos, saltos e carinhos, ao longo de quatro anos, foi interrompida.
Na noite anterior, depois de se
despedir do "amigão", como era de costume, o funileiro pegou o carro
para ir embora. Dirigia pela Avenida Rio das Pedras (zona leste), quando,
sentindo fortes dores no peito, procurou às pressas um lugar para estacionar.
Ligou para o Samu. A emergência veio rápida,
só que tarde demais: Zé, 54, sofreu um ataque cardíaco. Deixa a mulher, duas
filhas e Beethoven.
"O cachorro ficou tão desamparado
quanto elas", diz Margareth. A vizinha fez uma "vaquinha" para
comprar ração, mas o apetite do cão, antes voraz, diminuiu bastante.
Ela pretende encontrar um novo lar para
Beethoven, que hoje divide o teto com outros seis cães de rua, trazidos por um
carroceiro que está "ocupando" a funilaria. A família de Zé não tem
condições de ficar com Beethoven, que foi para adoção (www.facebook.com/cristiane.biral).
"Quando ele ouve o barulho de
chaves, vem correndo para o portão", conta Margareth. "Acha que é o
Zé."
Elvira Brandolin, 79, outra vizinha,
lembra que a rua nunca esteve tão calada. "Ele latia fazendo festa para o
Zé. Infelizmente, a festa acabou."
Autora de livros como "Um Cão pra
Chamar de Seu", a veterinária Regina Rheingantz Motta, 53, explica que
Beethoven continua exercitando sua rotina "de encontros e despedidas de
seu dono, mas ele ainda não aprendeu a incluir nela a morte".
A persistência de Beethoven fez com que
seus vizinhos enxergassem semelhanças entre o cão sem raça definida e a tocante
história de Hachiko, o cachorro akita do filme "Sempre ao Seu Lado".
Após a morte do dono, Hachiko continua
indo "buscá-lo" na estação de trem, assim como Beethoven continua lá,
às portas da funilaria, à espera do amigo humano.
Baseado em uma história real acontecida
no Japão, o longa fez sucesso com Richard Gere no papel do professor, dono do
cão, que morre, assim como o Zé, vítima de um ataque fulminante.
Mesmo calado e desolado, Beethoven
continua fiel à guarda matinal à espera de Zé, todos os dias, às 7h.
O que ele ainda não sabe é que o dono
jamais voltará.
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