Uma vida, um ministério,
um discipulado marcado por correria e falta de tempo acaba matando a
espiritualidade genuína. Eugene Peterson observa que uma
vida/ministério/discipulado assim é essencialmente preguiçoso “pois é fazer o
mais fácil ao invés do mais difícil… É encher nosso tempo com nossas próprias
ações ao invés de prestar atenção na ação de DEUS.”
E isso é tão verdadeiro. A
experiência religiosa de nossos dias é marcada por correria. É marcada pela
urgência da breve volta de Jesus e nossa participação ativa nesse evento
vindouro, pela luta incessante contra os nossos pecados e incoerências, pela busca
de uma profunda e consequentemente longa devoção pessoal diária. Mas como não
temos tempo, essa correria e essas inúmeras expectativas acabam, de fato,
matando a verdadeira espiritualidade.
Jesus teve apenas três
anos de ministério nessa terra, e no evangelho de Lucas existem pelo menos
cinco instancias em que Jesus “se reclina” na mesa para comer com alguém
(fariseus, discípulos, publicanos). O ministério de Jesus era marcado por
momentos assim. Momentos à mesa com pessoas, momentos de oração longe das
multidões, momentos de conversa ao andar por inúmeras estradas empoeiradas de
Israel, momentos de aparente inatividade.
Tenho notado as
consequências de uma vida de correria e de inúmeras tarefas no meu trabalho.
Passei anos carregando o peso da correria, o peso de achar que trabalho
contínuo resultaria em maiores resultados e na minha aceitação como “bom
trabalhador”. Mas nesse semestre especificamente decidi mudar algumas coisas
nesse cenário. Ao invés de fazer muito “por DEUS” decidi reduzir minhas inúmeras
tarefas para apenas aquelas que me pareciam essenciais. E curiosamente acabei
tendo mais tempo para o que sempre esteve ao meu redor e não notei. Acabei
encontrando tempo para ouvir alunos e seus problemas, para abrir os olhos e
enxergar inúmeras oportunidades de serviço escondidas na rotina do dia a dia,
para encontrar outros que estão servindo a DEUS em lugares inesperados.
Estava reunido com um
grupo de alunos não-religiosos dias atrás discutindo um texto difícil, Lucas
11:24-28, que diz: “Quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por
lugares secos, buscando repouso; e, não o achando, diz: Tornarei para minha
casa, de onde saí. E, chegando, acha-a varrida e adornada. Então vai, e leva
consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali; e o
último estado desse homem é pior do que o primeiro. E aconteceu que, dizendo
ele estas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse:
Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste. Mas ele disse:
Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de DEUS e a guardam.”
Por mais que eu
havia me preparado um pouco para conversar sobre esse texto aparentemente
confuso, muitas questões ainda não estavam claras em minha mente. Na vida de
correria temos a tendência de passar bastante tempo em nossas mentes e tarefas.
E ficamos preocupados, cansados, inseguros. Mas nesse dia especificamente
deixei um espaço aberto para não saber, para ouvir. Li o texto para os que
estavam presentes, fiz algumas considerações iniciais, e perguntei: o que Jesus
está tentando nos ensinar com essas imagens? O que significa demônios indo e
vindo e casas vazias e adornadas?
Depois de um breve
silêncio uma moça levantou a mão e disse que para ela, com base no que havíamos
lido e considerado nas semanas anteriores, esse texto parecia resumir as
expectativas religiosas que existiam nos tempos de Jesus e que nós também
nutrimos em nossos dias. Ela disse que pautar uma vida religiosa por quão bem
expulsamos demônios de nossa vida, por quão bem nos provamos de fazer certas
coisas por DEUS, pela via negativa do faço ou não faço tão evidente na vida dos
religiosos nos temps bíblicos, resulta numa casa vazia mas limpa e bem
adornada. Uma vida marcada por quão bem eu deixo coisas por DEUS é a porta
aberta para mais problemas e demônios pois a limpeza acontece por nossas
próprias inúmeras boas ações. Mas a promessa de DEUS no início do capítulo 11
de Lucas é que se batermos, a porta irá se abrir e DEUS nunca irá reter seu
Espírito para quem lhO pede. A casa vazia e adornada é a religião da limpeza
individual, mas DEUS quer que o Espírito habite em nós e faça o trabalho que
não conseguimos fazer por nós mesmos.
Eu sentei em silêncio,
emocionado pelas palavras que ouvira, pois essa é a vida religiosa de muitos de
nós. Essa foi e muitas vezes ainda é minha vida religiosa. Uma vida corrida,
marcada por quão bem expulsamos demônios e decoramos a nossa casa, mas sem
DEUS, sem o Espírito. Uma vida de Martas, fazendo muitas coisas por DEUS sem lembrar
que foi Maria que escolheu a melhor parte, se assentou aos pés de Jesus, em
santa inatividade.
O convite de Jesus para
seguí-lo envolve santa inatividade.
Envolve escolher a melhor parte.
Envolve tirar um tempo para ouvir a voz e as palavras de DEUS e as guardar no coração.
Envolve deixar a loucura da correria para reconhecer a mesma voz no que acontece ao nosso redor diariamente sem que tenhamos tempo para ouvi-la.
Envolve escolher a melhor parte.
Envolve tirar um tempo para ouvir a voz e as palavras de DEUS e as guardar no coração.
Envolve deixar a loucura da correria para reconhecer a mesma voz no que acontece ao nosso redor diariamente sem que tenhamos tempo para ouvi-la.
Que possamos
abandonar a correria por um momento, reclinarmo-nos, e permitir que DEUS
expulse os demônios, arrume a casa, ponha a mesa, e sirva o jantar.
Fone: http://terceiramargemdorio.org/texto/181/
Um comentário:
Muito bom o texto.
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