quarta-feira, 9 de maio de 2018

#181

“E entrando na casa do fariseu, reclinou-se à mesa.” (Lucas 7:36)

Uma vida, um ministério, um discipulado marcado por correria e falta de tempo acaba matando a espiritualidade genuína. Eugene Peterson observa que uma vida/ministério/discipulado assim é essencialmente preguiçoso “pois é fazer o mais fácil ao invés do mais difícil… É encher nosso tempo com nossas próprias ações ao invés de prestar atenção na ação de DEUS.” 
E isso é tão verdadeiro. A experiência religiosa de nossos dias é marcada por correria. É marcada pela urgência da breve volta de Jesus e nossa participação ativa nesse evento vindouro, pela luta incessante contra os nossos pecados e incoerências, pela busca de uma profunda e consequentemente longa devoção pessoal diária. Mas como não temos tempo, essa correria e essas inúmeras expectativas acabam, de fato, matando a verdadeira espiritualidade. 
Jesus teve apenas três anos de ministério nessa terra, e no evangelho de Lucas existem pelo menos cinco instancias em que Jesus “se reclina” na mesa para comer com alguém (fariseus, discípulos, publicanos). O ministério de Jesus era marcado por momentos assim. Momentos à mesa com pessoas, momentos de oração longe das multidões, momentos de conversa ao andar por inúmeras estradas empoeiradas de Israel, momentos de aparente inatividade.
Tenho notado as consequências de uma vida de correria e de inúmeras tarefas no meu trabalho. Passei anos carregando o peso da correria, o peso de achar que trabalho contínuo resultaria em maiores resultados e na minha aceitação como “bom trabalhador”. Mas nesse semestre especificamente decidi mudar algumas coisas nesse cenário. Ao invés de fazer muito “por DEUS” decidi reduzir minhas inúmeras tarefas para apenas aquelas que me pareciam essenciais. E curiosamente acabei tendo mais tempo para o que sempre esteve ao meu redor e não notei. Acabei encontrando tempo para ouvir alunos e seus problemas, para abrir os olhos e enxergar inúmeras oportunidades de serviço escondidas na rotina do dia a dia, para encontrar outros que estão servindo a DEUS em lugares inesperados. 
Estava reunido com um grupo de alunos não-religiosos dias atrás discutindo um texto difícil, Lucas 11:24-28, que diz: “Quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por lugares secos, buscando repouso; e, não o achando, diz: Tornarei para minha casa, de onde saí. E, chegando, acha-a varrida e adornada. Então vai, e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali; e o último estado desse homem é pior do que o primeiro. E aconteceu que, dizendo ele estas coisas, uma mulher dentre a multidão, levantando a voz, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos em que mamaste. Mas ele disse: Antes bem-aventurados os que ouvem a palavra de DEUS e a guardam.”
 Por mais que eu havia me preparado um pouco para conversar sobre esse texto aparentemente confuso, muitas questões ainda não estavam claras em minha mente. Na vida de correria temos a tendência de passar bastante tempo em nossas mentes e tarefas. E ficamos preocupados, cansados, inseguros. Mas nesse dia especificamente deixei um espaço aberto para não saber, para ouvir. Li o texto para os que estavam presentes, fiz algumas considerações iniciais, e perguntei: o que Jesus está tentando nos ensinar com essas imagens? O que significa demônios indo e vindo e casas vazias e adornadas? 
Depois de um breve silêncio uma moça levantou a mão e disse que para ela, com base no que havíamos lido e considerado nas semanas anteriores, esse texto parecia resumir as expectativas religiosas que existiam nos tempos de Jesus e que nós também nutrimos em nossos dias. Ela disse que pautar uma vida religiosa por quão bem expulsamos demônios de nossa vida, por quão bem nos provamos de fazer certas coisas por DEUS, pela via negativa do faço ou não faço tão evidente na vida dos religiosos nos temps bíblicos, resulta numa casa vazia mas limpa e bem adornada. Uma vida marcada por quão bem eu deixo coisas por DEUS é a porta aberta para mais problemas e demônios pois a limpeza acontece por nossas próprias inúmeras boas ações. Mas a promessa de DEUS no início do capítulo 11 de Lucas é que se batermos, a porta irá se abrir e DEUS nunca irá reter seu Espírito para quem lhO pede. A casa vazia e adornada é a religião da limpeza individual, mas DEUS quer que o Espírito habite em nós e faça o trabalho que não conseguimos fazer por nós mesmos.
Eu sentei em silêncio, emocionado pelas palavras que ouvira, pois essa é a vida religiosa de muitos de nós. Essa foi e muitas vezes ainda é minha vida religiosa. Uma vida corrida, marcada por quão bem expulsamos demônios e decoramos a nossa casa, mas sem DEUS, sem o Espírito. Uma vida de Martas, fazendo muitas coisas por DEUS sem lembrar que foi Maria que escolheu a melhor parte, se assentou aos pés de Jesus, em santa inatividade.
O convite de Jesus para seguí-lo envolve santa inatividade.
Envolve escolher a melhor parte.
Envolve tirar um tempo para ouvir a voz e as palavras de DEUS e as guardar no coração.
Envolve deixar a loucura da correria para reconhecer a mesma voz no que acontece ao nosso redor diariamente sem que tenhamos tempo para ouvi-la. 
 Que possamos abandonar a correria por um momento, reclinarmo-nos, e permitir que DEUS expulse os demônios, arrume a casa, ponha a mesa, e sirva o jantar.

Fone: http://terceiramargemdorio.org/texto/181/

Um comentário:

Júnior disse...

Muito bom o texto.