O
que amaldiçoa seu pai ou sua mãe, apagar-se-á a sua lâmpada em
negras trevas.
Provérbios
20:20
Como
antecipado no texto anterior (#210),
há uma quantidade significativa de textos bíblicos que indicam o
papel gerenciador da mulher e de liderança para tomar decisões[1].
Antes dessas narrativas, dois textos com características legais são
interessantes –Êxodo 21:15 e 17 (além de Provérbios 20:20, que
repete Êxodo 21:17)– em que os filhos são instados a não
amaldiçoar ou agredir seu pai e sua mãe. A inclusão feminina aqui
é importante.
Quanto
às narrativas, em Juízes 17, há uma senhora já de certa idade que
toma decisões e que detém poder. Ela conduz a questão econômica e
religiosa da casa. Em 1 Samuel 25 Abigail demonstra não só que
tinha acesso aos bens da casa, como uma forte influência sobre os
empregados da mesma. Ela age por iniciativa própria sem consultar
seu marido (que era um imbecil, diga-se de passagem). Abigail não
somente dá ordens aos empregados e por eles é obedecida, como
também negocia com David, demonstrando habilidade retórica,
inteligência, etc, mas, principalmente, que ela estava acostumada a
comandar os bens de sua família. Em 2 Reis 4:8-37 e 8:1-6, a
sunamita é apresentada como sendo uma mulher completamente autônoma
ao seu marido, convidando o profeta para sua casa, reconfigurando o
espaço da mesma e cuidando de sua família com relação à seca que
sobreveio. Ela negocia com o profeta e com o rei com relação à
propriedade da família. Além desses textos, há também Provérbios
31, onde a mulher virtuosa não é um bibelô que apenas sabe lavar e
passar, mas que comanda toda a casa e é uma figura socialmente forte
e cheia de recursos de liderança e gerenciamento.
Assim,
tanto o texto anterior (#210),
como esses poucos exemplos acima, dão suporte para que não se possa
descrever a sociedade bíblica como patriarcal. É inapropriado
descrever o macho bíblico em geral como dominante e a mulher bíblica
em geral como oprimida, pois a identificação das figuras femininas
desafia essa ideia e mostram que a mulher não era uma vítima
indefesa em um sistema macho-dominante.
As
funções sociais das mulheres da Bíblia
Hebraíca,
além de inovadoras se comparadas à sua época e meio, também são
para além de uma realidade caseira: “Algumas mulheres mantiveram
posição de liderança como juíza (Juizes 4-5), como sábia (2
Samuel 14:1-20; 20:14-22); várias entre elas como mulheres da corte
e, por causa de sua classe e gênero, exerceram poder como ‘grande
dama’ (1 Reis 15:11; Jeremias 13:18; 29:2)” (Carol Meyers). Isso,
sem mencionar as mulheres que são personagens centrais nos
respectivos livros de Rute, Ester e Cântico dos Cânticos.
As
mulheres da BH são poetisas (Débora,
Miriã, Ana, a mãe de Lemuel em Provérbios), cantoras, dançarinas
e instrumentistas (Êxodo 15:2-12; 1 Samuel 18:6-7; 2 Samuel 19:35;
Eclesiastes 2:8; Jeremias 31:4). Desempenham funções religiosas
(Êxodo 38:8; 1 Samuel 2:22; Ezequiel 8:16-17) e de liderança
religiosa como profetisas: Débora,
Miriã, Ulda e Noádia além de duas não nomeadas (Isaías 8:3; Joel
2:28).
Que
a BH é um livro androcêntrico, é impossível de se
contra-argumentar. Entretanto, afirmar que ela é machista ou que a
sociedade estava estruturada em um modelo patriarcal, além de
injusto, não seria correto. A grande maioria das mulheres retratadas
na BH deram uma considerável contribuição para a narrativa bíblica
e desempenharam funções de autoridade social para além de seus
lares, sendo algumas delas líderes de impacto na história do Israel
bíblico. Não parecem ter sido dominadas ou controladas por uma
hierarquia machista. Carol Meyers conclui: “Então, designar a
grande sociedade como “patriarcado”, implicando que as mulheres
eram completamente excluídas de suas posições comunitárias no
antigo Israel, é inapropriado e incorreto”.
O
que isso quer dizer? Que apontar a BH como uma ou até mesmo A raiz
da opressão da mulher ao longo dos séculos no contexto
judaico-cristão é um equívoco. A BH não compactua e, quando lida
corretamente, não dá suporte à opressão não apenas da mulher,
mas de qualquer ser humano.
Entretanto,
é necessário admitir que a leitura equivocada da BH a transformou
em raiz de diversos males, males dos quais seus autores buscaram, na
verdade, libertar seus leitores. Utilizar a BH como arma contra
qualquer grupo, especificamente as mulheres, é, portanto, desonesto.
Na
Bíblia Hebraica a mulher é, com DEUS, o que ela quiser ser, pois
DEUS a usará como e quando quiser.
Fonte:
http://terceiramargemdorio.org/texto/211/