domingo, 3 de julho de 2016

# 58 - SALMO 1

"Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite." Salmos 1:2
 

O Salmo 1 é breve e conciso. Construído de maneira bem peculiar sobre uma estrutura de oposição. No início do poema o salmista introduz o homem feliz pelo que ele não é.
Esta descrição em torno da negação é feita em três linhas seguidas, cheias de movimento. O movimento, no entanto, é em direção ao não movimento. O homem feliz não anda, não para, não senta; ou seja: ele não cessa de movimentar-se, não diminui seu ritmo. Ele não é “atrasado” pelos ímpios, ou pecadores, ou escarnecedores.
Até aqui, na utilização de substantivos para descrever o oposto do homem feliz –que aparece no singular com apenas um termo– são usados três substantivos para opor-se a ele (que ainda aparecem no plural).
A construção desta oposição inicial é bem interessante em hebraico. Uma proposta de tradução para apontar esta curiosidade seria:
Feliz o homem que:
não anda no conselho dos perversos
e no caminho dos pecadores não para
e no assento dos escarnecedores não senta” (Salmo 1:1)
Resumindo as oposições aqui, temos: singular x plural; um substantivo x três substantivos; o homem feliz x o que ele não é.
Após esta descrição negativa, o salmista o apresenta em termos positivos no verso 2. O homem feliz se deleita no ensino de DEUS (a palavra ensino aqui é Torah – תּוֹרָה – que carrega uma relação íntima coma a lei de DEUS). E não apenas se deleita, ele murmura/recita este ensinamento dia e noite. Aqui parece haver uma clara ligação com Deuteronômio 6:4-9.
Agora, depois de apresentar o homem feliz por oposição e descrevê-lo positivamente na sequência, o poeta ilustra suas palavras com uma imagem:
e ele é como a árvore fundamentada sobre correntes de águas
que seu fruto dá na sua estação
e cuja folhagem não murcha
e tudo o que ele faz será próspero.” (Salmo 1:3)
Sobre esta imagem a curiosidade reside na oposição à própria imagem do poeta no verso 1. Lá o homem feliz era o que mantinha o movimento. Aqui, no verso 3, ele é uma árvore plantada, evidentemente sem movimento. Ainda é possível perceber, nesta imagem metafórica, uma sutil inversão da ordem, já que os frutos da árvore vêm antes de sua folhagem. Mas o importante é notar que o homem feliz cumpre o que se espera dele: dá seu fruto no tempo certo e, além disto, provê sombra constante, já que suas folhas não murcham e, logo, não caem. Portanto, mesmo quando não produz frutos, ele continua tendo utilidade. Frutos no tempo certo. Sombra o tempo todo.
Meir Weiss aponta o porquê disto, dizendo: “A imagem da árvore no salmo não intenciona, portanto, descrever o destino do justo, sua recompensa; em vez disto, sua natureza essencial.”
Ainda é vital observar que o verbo da última linha desta metáfora, prosperar/ter sucesso/ser bem sucedido (tslch צלח – ), está no tronco hifil, que indica ação causativa; todos os outros verbos, no entanto, estão no tronco qal. Ou seja: o salmista 
planeja chamar à atenção, pelo uso do verbo no hifil, que sucesso não é algo que ele conquista para si, mas que ele causa.
Assim, o homem feliz é o que ele não é e o que ele é. O que ele não é, se apresenta em oposição aos outros. O que ele é, se apresentada em conexão com DEUS. Tudo isto resulta na ação dele, do homem feliz, para com tudo e todos que o cercam, como apresentado na metáfora.
O que ele não é e o que ele é, é “para” e não “por”.
[Observação: Todas as traduções aqui contidas são próprias, feitas do texto hebraico.]

Fonte: http://terceiramargemdorio.org/texto/58/

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