domingo, 17 de março de 2019

#211


O que amaldiçoa seu pai ou sua mãe, apagar-se-á a sua lâmpada em negras trevas.
Provérbios 20:20

Como antecipado no texto anterior (#210), há uma quantidade significativa de textos bíblicos que indicam o papel gerenciador da mulher e de liderança para tomar decisões[1]. Antes dessas narrativas, dois textos com características legais são interessantes –Êxodo 21:15 e 17 (além de Provérbios 20:20, que repete Êxodo 21:17)– em que os filhos são instados a não amaldiçoar ou agredir seu pai e sua mãe. A inclusão feminina aqui é importante.
Quanto às narrativas, em Juízes 17, há uma senhora já de certa idade que toma decisões e que detém poder. Ela conduz a questão econômica e religiosa da casa. Em 1 Samuel 25 Abigail demonstra não só que tinha acesso aos bens da casa, como uma forte influência sobre os empregados da mesma. Ela age por iniciativa própria sem consultar seu marido (que era um imbecil, diga-se de passagem). Abigail não somente dá ordens aos empregados e por eles é obedecida, como também negocia com David, demonstrando habilidade retórica, inteligência, etc, mas, principalmente, que ela estava acostumada a comandar os bens de sua família. Em 2 Reis 4:8-37 e 8:1-6, a sunamita é apresentada como sendo uma mulher completamente autônoma ao seu marido, convidando o profeta para sua casa, reconfigurando o espaço da mesma e cuidando de sua família com relação à seca que sobreveio. Ela negocia com o profeta e com o rei com relação à propriedade da família. Além desses textos, há também Provérbios 31, onde a mulher virtuosa não é um bibelô que apenas sabe lavar e passar, mas que comanda toda a casa e é uma figura socialmente forte e cheia de recursos de liderança e gerenciamento.
Assim, tanto o texto anterior (#210), como esses poucos exemplos acima, dão suporte para que não se possa descrever a sociedade bíblica como patriarcal. É inapropriado descrever o macho bíblico em geral como dominante e a mulher bíblica em geral como oprimida, pois a identificação das figuras femininas desafia essa ideia e mostram que a mulher não era uma vítima indefesa em um sistema macho-dominante.
As funções sociais das mulheres da Bíblia Hebraíca, além de inovadoras se comparadas à sua época e meio, também são para além de uma realidade caseira: “Algumas mulheres mantiveram posição de liderança como juíza (Juizes 4-5), como sábia (2 Samuel 14:1-20; 20:14-22); várias entre elas como mulheres da corte e, por causa de sua classe e gênero, exerceram poder como ‘grande dama’ (1 Reis 15:11; Jeremias 13:18; 29:2)” (Carol Meyers). Isso, sem mencionar as mulheres que são personagens centrais nos respectivos livros de Rute, Ester e Cântico dos Cânticos.
As mulheres da BH são poetisas (Débora, Miriã, Ana, a mãe de Lemuel em Provérbios), cantoras, dançarinas e instrumentistas (Êxodo 15:2-12; 1 Samuel 18:6-7; 2 Samuel 19:35; Eclesiastes 2:8; Jeremias 31:4). Desempenham funções religiosas (Êxodo 38:8; 1 Samuel 2:22; Ezequiel 8:16-17) e de liderança religiosa como profetisas: Débora, Miriã, Ulda e Noádia além de duas não nomeadas (Isaías 8:3; Joel 2:28).
Que a BH é um livro androcêntrico, é impossível de se contra-argumentar. Entretanto, afirmar que ela é machista ou que a sociedade estava estruturada em um modelo patriarcal, além de injusto, não seria correto. A grande maioria das mulheres retratadas na BH deram uma considerável contribuição para a narrativa bíblica e desempenharam funções de autoridade social para além de seus lares, sendo algumas delas líderes de impacto na história do Israel bíblico. Não parecem ter sido dominadas ou controladas por uma hierarquia machista. Carol Meyers conclui: “Então, designar a grande sociedade como “patriarcado”, implicando que as mulheres eram completamente excluídas de suas posições comunitárias no antigo Israel, é inapropriado e incorreto”.
O que isso quer dizer? Que apontar a BH como uma ou até mesmo A raiz da opressão da mulher ao longo dos séculos no contexto judaico-cristão é um equívoco. A BH não compactua e, quando lida corretamente, não dá suporte à opressão não apenas da mulher, mas de qualquer ser humano.
Entretanto, é necessário admitir que a leitura equivocada da BH a transformou em raiz de diversos males, males dos quais seus autores buscaram, na verdade, libertar seus leitores. Utilizar a BH como arma contra qualquer grupo, especificamente as mulheres, é, portanto, desonesto. Na Bíblia Hebraica a mulher é, com DEUS, o que ela quiser ser, pois DEUS a usará como e quando quiser.
Fonte: http://terceiramargemdorio.org/texto/211/

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